Reconhecimento à autarquia e aos militares cinfanenses que estiveram na Índia
ENCONTRO NACIONAL DE EX-PRESIONEIROS DE GUERRA TROUXE RECORDAÇÕES E MEMÓRIAS À FREGUESIA DE NESPEREIRA
· Ricardo Soares orgulhoso pelo primeiro convívio na região Norte
Foi um rotundo sucesso o Encontro Nacional de ex - Prisioneiros de Guerra, uma iniciativa realizada no último Sábado de Maio, na freguesia e vila de Nespereira gizada para a participação daqueles que, nestas condições, representaram as Companhias CC6,CC7 e CC8, da velha Goa, na Índia, mobilizados a partir do Regimento de Infantaria 5 de Caldas da Rainha. E foram cerca de setenta, os ex. militares que estiveram reféns em Goa, Damão e Diu, que marcaram presença nesta reunião anual, pela primeira vez promovida na região Norte…
Segundo a organização, tratou-se de um evento alargado a todos aqueles que, no conflito do Ultramar, foram Prisioneiros de Guerra, privilegiando os oriundos dos concelhos de Cinfães, Arouca e Castelo de Paiva, bem como de outras Companhias, mas a adesão de ex-combatentes acabou por ter dimensão nacional e presentes estiveram ex-prisioneiros de guerra provenientes de Lisboa, Beja, Óbidos, Lourinhã, Bombarral, Miranda do Douro, Trofa, Vila Real, Régua, Porto, Santarém e Coimbra.
Depois da concentração no Largo de Santa Marinha, onde os participantes se encontraram para evocar memórias, reviver dramas e emoções, trocando abraços e saudações de amizade, o Encontro começou com uma missa evocativa cuja celebração foi presidida pelo reverendo Padre José Augusto e que teve a participação do Coro Litúrgico local.
As fotografias amarelecidas com o tempo passaram de mão em mão, evocando vivências partilhadas na missão da defesa da Pátria em terras indianas, houve mesmo quem mostrasse orgulhosamente a caderneta militar e exibisse a medalha com o número mecanográfico ao pescoço, coisas que jamais esquecem e fazem recordar momentos perpetuados para sempre.
Da região do Baixo Alentejo, agora com 77 anos, João Leocádio Gonçalves, recorda com emoção o tempo em que foi motorista oficial do Comandante Militar de Goa, Brigadeiro Manuel Leitão, e conta que, na hora da rendição, não entregou as munições e a arma que lhe estava atribuída, optando por a enterrar junto ao Posto de Rádio.
Consigo traz o bivaque que utilizou no serviço militar e a bandeirinha de Portugal que arrancou do capot Mercedes 220 D antes de se entregar ás tropas da União Indiana, coisas que lhe evidenciam a saudade e as recordações de outrora, e que já o incentivaram a voltar a Goa por duas vezes, visitando os lugares onde honrosamente cumpriu o dever militar.
António Magalhães Machado, de 72 anos, veio da Trofa e tem as memórias da guerra na Índia em rascunho, para mais tarde o neto ter oportunidade de ler e contar a outros , destacando que, “ houve necessidade de fazer – se amigo dos soldados indianos, para nos darem melhores condições e um litro de água por dia enquanto estivemos detidos “, e já Adriano Cardoso, da mesma idade, que viajou de Miranda do Douro para “ recordar tempos antigos “, lembrou que, “ os indianos durante o cativeiro estavam sempre atentos, se refilássemos, batiam-nos…foi dificil lidar com eles “, uma situação que Ricardo Soares validou ao afirmar que, “ foram cinco meses bastante dificeis, de trabalho e fome, com alimentação paupérrima, para além de todo este tempo detidos nos campos de concentração sem trocar de roupa “.
" Estão aqui connosco várias dezenas de homens e as suas famílias, num convívio que para nós é muito importante, sobretudo em 2011, quando entramos na celebração dos 50 anos da rendição na Índia", refere Ricardo Soares, da organização, que se mostrou muito safisfeito com a adesão conseguida e por Nespereira ter acolhido com honra e dignidade, os companheiros desta aventura militar em território indiano.
Durante o repasto, entre conversa e troca de recordações, visivelmente emocionado, o anfitrião agradeceu a presença de todos, com destaque para a representação da Associação Nacional de Priosineiros de Guerra, com a participação de Paulo Portela e Lúcio Pacheco, enaltecendo a tenacidade do colega Joaquim Isidoro que tem promovido os encontros anteriores, referindo-se à fundação da associação a partir de uma jornada convívio em Caldas da Raínha, bem como ao envolvimento da Junta de Freguesia de Nespereira no apoio e colaboração a este encontro de 2011, não esquecendo o anterior executivo autárquico que deliberou aceitar a sugestão toponímica para uma das ruas da freguesia.
Apesar das dificuldades de chegar a Nespereira, onde as acessibilidades ainda são demasiado penosas, Joaquim Isidoro não deixou de mostrar o seu agrado por ver concretizado este encontro na região Norte, e acabou a historiar as vivências da invasão indiana e os momentos de revolta de Neru sobre as tropas portugueses estacionadas nestes três enclaves, destacando a forma desprotegida como estavam as tropas portuguesas, abandonadas à sua sorte pelo regime de Salazar, enquanto no território continental eram apelidados de “ traidores à Pátria “ por não terem resistido à invasão até à morte, mesmo sabendo-se da diferença desproporcional das forças invasoras.
A concluir as intervenções, o autarca local Mário Leitão sublinhou a importancia da iniciativa e o gosto de receber bem em Nespereira, evidenciando que, quando foi abordado para apoiar esta jornada de convívio de ex-militares, pensou logo na melhor colaboração, integrando-a na programação do Maio Cultural, ironizando que gostava que todos voltassem a ficar prisioneiros da freguesia, e que pudessem voltar sempre com satisfação e entusiasmo a uma terra de encanto, que saber receber com honra e simpatia, a todos brindando com uma bonita lembrança alusiva a esta jornada de convivialidade de ex-combatentes.
Hoje os tempos são outros e Ricardo Soares considera que o Estado português tem hoje para com os antigos combatentes e prisioneiros de guerra "uma atitude de maior reconhecimento", sobretudo desde 2002, quando passou a ser atribuída uma pensão mensal de cerca de 100 euros. O ex- combatente lamenta, contudo, que durante muitos anos, no antigo regime, os antigos prisioneiros da Índia tenham sido vistos pelo Estado português como "traidores da pátria". " Felizmente isso já não acontece… por isso, estes convívios anuais são muito importantes para nós", concluiu o anfitrião nespereirense.
Recorde-se que o contingente português em Goa, Damão e Diu, formado por cerca de 3500 militares e polícias, rendeu-se às tropas indianas no dia 19 de dezembro de 1961. Os militares estiveram depois retidos, até Maio de 1962, em dois campos de concentração na Índia.
Segundo este antigo prisioneiro, o Encontro Nacional realiza-se todos os anos no mês de Maio, também para lembrar o desembarque das tropas portuguesas vindas da Índia, no dia 29 de Maio de 1962.
"A cada ano que passa lembrámos os bons e maus momentos que passámos lá e isso é que importa", contou Ricardo Soares ao repórter, mostrando-se feliz por ter conseguido realizar com êxito, esta jornada de convívio entre os militares que serviram Portugal no território indiano.
No ano passado foi em Fátima e em 2011 foi decidido promover a iniciativa em Nespereira, Cinfães, como reconhecimento àquela freguesia que atribuiu a uma rua, o nome de " Ex- Prisioneiros de Guerra na Índia ".
Ricardo Soares, ex-Prisioneiro de Guerra na Índia e principal mentor deste evento, fez um balanço bastante positivo da jornada e evidenciou com satisfação que, para além de protagonizar este convívio anual destes ex-combatentes neste recanto nortenho do território nacional, o propósito da iniciativa, foi reconhecer publicamente à Junta de Freguesia de Nespereira, pelo facto de ter permitido atribuir, na toponímia local, o nome de “ Ex-Prisioneiros de Guerra da Índia”, a um arruamento da freguesia.
Recorde-se que a deliberação da autarquia de Nespereira, ainda ao tempo de Mário Teixeira, em Julho de 2009, permitiu denominar o arruamento em causa, que tem início na confluência da Rua António da Rocha e Rua do Alto e termina na confluência da Rua da Vista Alegre e da Rua da Pedra da Moira, ou seja numa parte do troço da estrada municipal que liga Nespereira a Vilar de Arca, terra já pertencente a S. Tiago de Piães.
Tratou-se assim, conforme proposta de Ricardo Soares, de uma justa homenagem aos vinte e quatro militares do concelho cinfanense, cinco dos quais da freguesia de Nespereira, que prestaram serviço militar na Índia, por ocasião da invasão de Goa, Damão e Diu, em Dezembro de 1961.
No próximo ano, assinalam-se os 50 anos da rendição do contigente na Índia e o encontro nacional terá lugar no quartel de Caldas da Raínha, local emblemático de onde os militares foram mobilizados para este território ultramarino, com três enclaves junto ao Mar Arábico, que durante 450 anos fizeram parte do estado português na Índia.
Carlos Oliveira – texto e fotos
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